quinta-feira, fevereiro 26, 2009

do lado mais fraco



Em meio a um cenário de crise econômica mundial em que países da Europa batem recorde de desemprego, como a França, que em número de pessoas desempregadas teve no mês passado o maior avanço histórico onde mais de 90,2 mil trabalhadores perderam o emprego. No caso espanhol a crise vem afundando a economia, e a América Latina também reflete o desastre de Wall Street. Mas como diria o ditado: a corda sempre arrebenta do lado mais fraco, ou seja, do trabalhador, que ao vender sua força de trabalho deixa de receber um certo quantum de trabalho humano abstrato, socialmente necessário. Essa é regra que impera, mas a problemática ganha proporções maiores nesse cenário de crise mundial em que empresas tem "negociado" com a classe de trabalhadores acordos e convenções coletivas de trabalho que pontuam alterações de redução de jornadas e salários, em função da manutenção do emprego. E a corda estoura sim para o lado mais fraco! Infelizmente é o que temos visto nas manchetes dos jornais diariamente. Hoje mesmo ao abrir o jornal me deparei com a seguinte manchete: "GM registra lucro de US$ 1,3 bi em mercados emergentes, em 2008". Enquanto o “lucro da Nossa Caixa sobe 113% em 2008”, ou seja, em 646,5 milhões, a taxa de desemprego em São Paulo, segundo o DIEESE, sobe 12,5.



Certamente há uma relação desproporcional, desigual e oportunista entre o lucro do patronato e as demissões, e perdas salariais dos trabalhadores. Procura-se sempre elevar a taxa de mais-valia, diminuir os custos com capital constante e equacionar melhor ( do ponto de vista do patronato, é óbvio) os tempos de circulação entre fornecimento de insumos e vendas. Esse é o ponto de vista que tem predominado nas negociações dos empresários com os trabalhadores. Para o empresariado o que interessa é a manutenção da sua taxa de mais-valia, ou seja, o seu lucro. Ao flexibilizar as leis trabalhistas nas convenções e acordos de trabalho a negociação, que deveria ser realizada pelos dois lados envolvidos (trabalhador também), é vista somente do ângulo do empresariado, que objetiva unicamente eliminar toda forma de trabalho improdutivo, ao mesmo tempo, potencializar a produtividade direta. Aí as relações de trabalho se precarizam, cortam-se os direitos, revertem-se conquistas, quebrando o patamar de organização já anteriormente formado, completando o ciclo de subordinação real do trabalho ao capital.
O Ministério do Trabalho cogita editar medidas provisórias que flexibilizem as leis de trabalho. Eles dizem que não, outros, entretanto caminham nesse sentido. Onde a brecha da lei possibilita, as negociações tendem a precarizar as relações de trabalho. Cabe aos sindicatos o combate à flexibilização, e também ao Governo. Recentemente ao pesquisar na internet e no site da Câmara dos Deputados percebi que tramita na Casa um projeto de lei do Deputado Federal Vicentinho que regula a demissão coletiva. Enquanto tal legislação não surge diversas empresas tem adotado à seu bel prazer as demissões coletivas sob o argumento de “crise econômica”. Primeiramente precisa-se analisar o balancete contábil da empresa e os lucros registrados. O que não se pode aceitar é ver que milhares que empresas batem recorde de lucros, em tempos de crise financeira, enquanto que a classe operária paga o preço mais alto, com demissões coletivas, redução de jornadas, salários, suspensão de contratos de trabalho e trabalho parcial.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Slavery

Matéria publicada ontem, dia 16 de fevereiro de 2009, no "The Guardian" relata o cotidiano dos trabalhadores em Marabá. Matéria com título: "Novo mundo de sordidez e exploração" chama a atenção para a problemática dos trabalhadores explorados do interior do Brasil, que "são mal pagos" e vivem em " condições esquálidas" em Marabá, onde "intermediários exploradores seduzem pobres a fazerem grande dívidas". Ou seja, "a escravidão por dívida prossegue na Amazônia e no Centro-Oeste" do Brasil.
“Nós fomos tratados como escravos,” diz Francisco Raimundo
Mendes, uns anos de idade 48 do estado do nordeste de Maranhão, que reivindica
seu empregador tinha recusado o fornecer o tratamento médico depois que sofreu
uma hérnia ao carregar troncos de árvore em um caminhão para 7.50 reais um o
dia. “Era o grande sofrimento no mundo.”

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Brasil teve quase 22 mil casos de trabalho escravo em 5 anos, diz ONU


ONU divulgou estudo sobre tráfico humano e trabalho escravo no mundo. Casos com estrangeiros no Brasil não foram registrados no relatório.


Do G1, em São Paulo


O Brasil teve 21.850 casos de trabalho escravo descobertos no período entre 2003 e 2007, segundo dados do estudo global sobre o tráfico de pessoas divulgado nesta quinta-feira (12) pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, na sigla em inglês).


O estudo, que considerou dados fornecidos por 155 países, se considera a primeira avaliação global do fenômeno do tráfico de pessoas e das medidas que foram adotadas para combatê-lo. Os 21.850 casos são apenas de brasileiros. O relatório aponta que vítimas de países da América do Sul que trabalham como escravos no Brasil, como bolivianos, peruanos, paraguaios e equatorianos, não foram disponibilizados para o período de pesquisa. Do total, 2007 foi o ano em que mais ocorrências foram descobertas: 5.975. A fonte da pesquisa para este item foi o Ministério do Trabalho.


O estudo revela ainda que de 2004 até fevereiro de 2008, 41 pessoas foram condenadas por tráfico humano no Brasil. Destes, 18 foram mulheres. No mundo, porém, a maior parte das condenadas são as mulheres. O relatório diz que 60% delas respondem pela ilegalidade. De acordo com a ONU, em regiões como Leste Europeu e Ásia Central, “mulheres traficando mulheres é quase regra”. “É realmente chocante o fato de mulheres vítimas de tráfico humano tornarem-se traficantes. Precisamos compreender as razões psicológicas, financeiras e coercivas que levam mulheres a recrutarem mulheres para este tipo de crime”, afirmou o diretor da UNODC, o italiano Antonio Maria Costa.


Mulheres condenadas


A forma mais comum de tráfico de pessoas (79%) é a exploração sexual, seguido por trabalho forçado (18%). “Nós somente enxergamos uma pequena parte do problema”, disse Costa. “Quantas centenas de milhares de vítimas são escravizadas em saunas, campos, minas, fábricas ou presas da servidão doméstica? Esses números vão certamente aumentar uma vez que a crise econômica potencializa vítimas e faz crescer a demanda por bens e serviços mais baratos”, completou.


Abuso de crianças


O estudo da ONU aponta ainda que quase 20% das vítimas são crianças. Mas que em regiões da África e do Mekong (rio do Sudeste Asiático), crianças são a maioria. “Elas são forçadas a desemaranhar redes de pesca, costurar peças luxuosas, catar coco”, diz o relatório. “Garotos que aprendem a atirar antes de aprender a ler; meninas escravizadas sexualmente antes de se tornarem mulheres”, disse Costa. “Nós temos uma fotografia ampliada, mas ainda lhe falta profundidade. Receamos que o problema esteja piorando, mas não podemos provar tal fato em virtude da escassez de informação; além disso, muitos países estão obstruindo (o processo de coleta de dados)”, falou ele.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Trabalho de luto

Relatório da OIT sobre a América Latina e anúncios de demissões nos EUA, na Europa e no Japão apontam para o derretimento dos níveis de emprego em escala global

RICARDO ANTUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Publicado em 01/02/2009

Começam a ficar mais claros os contornos e as primeiras consequências da crise que vem liquefazendo o sistema do capital em escala global. O Fórum de Davos (Suíça) "começa com executivos em pânico" (Dinheiro, 28/1).Lá, onde estão reunidos representantes das "classes verdadeiramente perigosas", os executivos globais contabilizam o que já é incontável e mergulham numa crise de proporções alarmantes.Enquanto isso, no outro canto do mundo, em Belém, o Fórum Social Mundial ganha uma impulsão extra.
Isso porque ele vem, desde 2001, denunciando a lógica destrutiva dominante. Se ainda não foi capaz de oferecer um projeto societal alternativo e global para o mundo, contrário aos imperativos do capital, muitos de seus partícipes sabem que o capitalismo é o responsável pela (des)sociabilidade vigente e suas mazelas. Esse sistema poderá até ser ainda mais longevo, mas será sempre empurrado no tranco.
Ora definhando o Estado ao mínimo (no que tange à sua dimensão pública), ora tendo surtos intervencionistas, como este que se abateu no governo de George W. Bush e de seus epígonos.Mas a crise vive um ciclo prolongado, datado do início dos anos 1970.Começou destroçando os países do Terceiro Mundo. Um a um, Brasil, Argentina, México, Uruguai, Colômbia, para ficarmos somente em alguns exemplos da América Latina, foram mergulhados no estancamento e na recessão, o que fez desmoronar o pouco que esses países construíram no capítulo dos direitos sociais do trabalho.
Mas isso foi só o começo: depois foi a vez, no fim dos anos 1980, de levar à bancarrota o chamado "socialismo real" (União Soviética e o restante do Leste Europeu). Menos do que expressão do "fim do socialismo", esse fato antecipava uma nova etapa da crise do próprio capital.
No olho do furacão
No presente, depois do seu epicentro ter passado pelos principais países capitalistas (Japão, Alemanha, Inglaterra e França), chegou ao coração do sistema: os EUA estão agora no olho do furacão.E, com isso, uma vez mais se acentua o caráter pendular do trabalho.Nos países que vivenciaram traços do Estado de Bem-Estar Social, especialmente na Europa social-democrá tica, o dilema se colocou (ainda que sem tocar na raiz do problema) entre trabalhar menos e viver as benesses do ócio, curtindo o "tempo livre" (vale a indagação: será mesmo tempo livre, sem aspas?).
Trabalhar menos, para todos viverem uma vida melhor, tornou-se consigna forte.
Mas na América Latina (e o mesmo vale para a Ásia e a África) a dilemática tem uma profundidade ainda maior.Neste verdadeiro continente do labor, o pêndulo é ainda mais ingrato em seus dois polos opostos: ele oscila entre trabalhar ou não trabalhar; entre encontrar labor ou soçobrar no desemprego.
Mais precisamente, entre sobreviver ou experimentar a barbárie, pois o Estado de Bem-Estar Social sempre andou muito longe daqui.
Migalhas
No meio do caminho, uma massa monumental de assalariados vivenciando uma precarização estrutural do trabalho em escala continental. Crianças, negros, índios, homens e mulheres trabalhando no fio da navalha.Conforme recordou Mike Davis, em seu "Planeta Favela" [ed. Boitempo], "não é raro encontrar [na América Central] empregadas domésticas de sete ou oito anos com jornadas semanais de 90 horas e um dia de folga por mês" ("Child Domestics", Domésticas Infantis, relatório da Human Rights Watch de 10/6/2004).
Com a crise, o quadro se agrava: no recentíssimo "Panorama Laboral para América Latina e Caribe - 2008" (Organização Internacional do Trabalho, 27/1), o cenário social apresentado é de tal gravidade que beira a devastação.
Se o desemprego diminuiu nos últimos cinco anos, o relatório da OIT antecipa que, "devido à crise, até 2,4 milhões de pessoas poderão entrar nas filas do desemprego regional em 2009", somando-se aos quase 16 milhões já desempregados (sem falar no "desemprego oculto", nem sempre captado pelas estatísticas oficiais).
Ou seja, o que se conquistou em migalhas, a crise derreteu no último trimestre de 2008.
Se, no centro do sistema, têm-se as maiores taxas de desemprego das últimas décadas, no continente latino-americano esse quadro se agudiza.Na maioria dos países houve retração salarial; as mulheres trabalhadoras têm sido mais afetadas, com taxa de desemprego 1,6 vez maior que os homens, e o desemprego juvenil, em 2008, em nove países, foi 2,2 vezes maior do que a taxa de desemprego total. A informalidade, que era exceção no passado, torna-se a regra.
Flexibilidade
No Brasil, a "marolinha" já desempregou milhares de trabalhadores na
indústria, nos serviços e na agroindústria (atingindo até o etanol do trabalho
semiescravo) .
O país, que o governo Lula afirmou ter uma economia estável e refratária à crise, está vendo a cada dia a corrosão dos níveis de emprego. O empresariado pressiona mais uma vez para aumentar a "flexibilidade" da legislação trabalhista, com a falácia de que assim se preservam empregos.
Nos EUA, na Inglaterra, na Espanha e na Argentina, entre tantos outros exemplos, flexibilizou- se muito. Fica a indagação: por que então o desemprego vem se ampliando tanto nesses países?
Para concluir, vale adicionar mais uma contradição vital em que o mundo mergulhou, quando o olhar vai além do cenário televisivo oferecido pelo contagiante "big brother" global: quando se reduzem as taxas de emprego, aumentam os níveis de degradação e barbárie em amplitude global.Se, em contrapartida, o mundo produtivo retomar os níveis altos de crescimento, esquentando a produção e seu modo de vida fundado na superfluidade e no desperdício, aquecerá ainda mais o universo, o que é mais um passo certo para uma outra tragédia já bastante anunciada.


RICARDO ANTUNES é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de "Adeus ao Trabalho?" (Cortez).

contador gratis